Escolher um portefólio de investimento aparenta ser uma tarefa complexa. Há várias opções “preguiçosas” por aí: Three-fund Portfolio, Core-4 Portfolio, Coffeehouse Portfolio, Permanent Portfolio, Yale Endownment Portfolio, etc. Mas algumas destas opções são bem mais complexas do que a alcunha “preguiçosa” sugere.
Ainda por cima, muitos destes portefólios “preguiçosos” têm fundos domiciliados nos EUA que não estão disponíveis para a maioria dos investidores europeus (por exemplo, VTI, VOO, SPY).
Neste artigo, vou fazer um resumo de um portefólio simples para um investidor europeu. Vamos ver:
- Os princípios que orientam as decisões sobre o portefólio;
- Os fundos que implementam este portefólio;
- Os retornos esperados;
- Algumas perguntas frequentes sobre este portefólio.
Princípios orientadores
Incorpore os retornos do mercado inteiro
Assumo que o seu objetivo é aumentar as suas poupanças ao ritmo do mercado inteiro. E que os retornos de investir no mercado inteiro são suficientes para atingir os seus objetivos financeiros: independência financeira, complemento para a reforma, etc.
Também assumo que é improvável conseguir retornos que são consistentemente maiores do que os do mercado inteiro — independentemente dos riscos adicionais que se tome.
Fundos de índice baratos são a melhor ferramenta para obter retornos do mercado inteiro
Os fundos de índice reproduzem o desempenho do mercado inteiro a custos baixos. A maior parte dos fundos ativos não atinge os retornos do mercado inteiro a longo prazo devido aos seus custos altos e ao desempenho inconstante.
Investir tem de ser simples
Um portefólio de investimento tem de ser fácil de explicar, implementar e manter. Qualquer pessoa deve ser capaz de implementar esta estratégia de investimento.
Investir deve ser algo que preparamos uma vez, no qual gastamos um par de horas por ano e depois seguimos com a nossa vida.
Componentes do portefólio
Este portefólio é muito semelhante ao portefólio dos Bogleheads europeus e ao portefólio racional do Krojer.
Menciono este portefólio em vários artigos deste blogue, mas queria tê-lo numa única página para explicá-lo pormenorizadamente.
Não tenho um nome pomposo para este portefólio. Podemos chamá-lo o Portefólio Pareto porque nos permite alcançar tanto com tão pouco. Ou talvez o Portefólio Duo porque apenas precisamos de dois investimentos para o implementar.
Este portefólio consiste em dois componentes:
- Ações globais — Investir em ações de empresas de todo o mundo. Esta é a parte de risco do nosso portefólio que trará retornos altos.
- Obrigações — Investir em obrigações com um rating investment-grade na nossa moeda. Ou alternativamente, guardar o nosso dinheiro numa conta poupança ou certificado de aforro/tesouro. Esta é a parte de baixo risco do nosso portefólio que trará retornos baixos.
Ações globais
Investimos em ações globais porque é a forma mais ampla e diversificada de investimento.
Através das ações globais, estamos expostos a empresas de diferentes economias. Diferentes economias observam situações de prosperidade e de crise em diferentes momentos, o que minimiza o nosso risco.
Com uma estratégia de ações globais investimos em milhares de empresas, o que significa que o nosso retorno não é afetado significativamente quando uma empresa falha.
Investimos em ações globais através de um fundo de índice cap-weighted. Através do fundo, somos expostos a cada empresa de acordo com o seu valor relativo na economia mundial. Isto significa que as empresas mais valiosas (por exemplo, Microsoft) terão um maior peso na nossa exposição do que as menos valiosas (por exemplo, EasyJet).
Investimos no mundo inteiro porque não sabemos que países vão prosperar e quando. Investir no mundo inteiro tem um bom historial de retorno sobre o investimento.
Investir em empresas é arriscado. Isto significa que o valor dos nossos investimentos pode temporária ou permanentemente decrescer. Este risco adicional traduz-se em retornos adicionais que nos permitem aumentar as nossas poupanças.
Retornos esperados
Neste artigo, falo apenas de retornos reais (não confundir com retornos nominais). Ou seja: retornos de investimento que são ajustados à inflação. Também me refiro apenas a retornos médios reais anuais de longo prazo (mais de 30 anos).
Outro aspeto a ter em conta é que estamos a falar de retornos médios. Não os vamos conseguir todos os anos. O valor da bolsa muda radicalmente todos os anos, mas quando olhamos para a média de um longo período de tempo (por exemplo, 30 anos) encontramos estes valores.
Note-se que estas são expetativas baseadas em dados históricos ao longo de mais de 100 anos. Não há qualquer garantia de que teremos estes retornos no futuro.
Historicamente, de acordo com o Krojer e o Credit Suisse, as ações globais tiveram um retorno médio real anual na ordem dos 5 %. É razoável esperar um resultado semelhante no futuro.
Fundos
A minha preferência vai para os ETF porque são um instrumento comum em toda a Europa. Também podemos implementar esta estratégia utilizando fundos de índice não cotados em bolsa.
ETF de distribuição:
ETF de capitalização:
- 88 % iShares Core MSCI World ETF + 12 % iShares Core Emerging Markets IMI ETF ou;
- Vanguard FTSE All World ETF
Em alternativa a estas opções, que investem em todo o mundo, também podemos investir nos países desenvolvidos, mantendo 88 % de exposição ao mundo inteiro.
Não se esqueça de comprar fundos com a política de distribuição de dividendos apropriada ao seu enquadramento fiscal.
Obrigações
O objetivo das obrigações é minimizar o risco, preservando o nosso capital.
Minimizamos o risco ao investir em obrigações governamentais com uma baixa probabilidade de incumprimento (ou seja, bancarrota). As obrigações com um rating investment -grade satisfazem este critério.
Idealmente, estas obrigações devem ser na sua moeda (por exemplo, euros ou libras esterlinas) para minimizar também o risco cambial. Por exemplo, obrigações do Reino Unido se a sua moeda é a libra esterlina ou de qualquer país da Zona Euro com um rating S&P superior a BBB se a sua moeda é o euro.
Se a sua moeda não tem obrigações governamentais com rating investment-grade, a situação é mais complexa. Pode assumir o risco cambial e escolher obrigações noutra moeda (por exemplo, dólares americanos, euros, libras esterlinas). Ou assume o risco associado ao rating baixo (e a possibilidade de maior retorno) e escolhe obrigações na sua moeda.
Em alternativa às obrigações, podemos manter o nosso dinheiro numa conta poupança. Estas contas estão cobertas pelos fundos de garantia de depósitos até 100 000 euros, o que minimiza bastante o seu risco.
Retornos esperados
As obrigações com um rating investment-grade são o ativo menos arriscado onde podemos investir. Historicamente, de acordo com o Credit Suisse, estas obrigações tiveram um retorno médio real anual de 0,5 %.
Adicionar obrigações de diferentes maturidades, de diferentes tipos (por exemplo, obrigações de empresas) e de diferentes qualidades de crédito irá aumentar o retorno anual expetável porque estaremos a correr mais riscos.
Fundos
O desafio com obrigações governamentais da Zona Euro é que algumas têm retorno negativo. Acredito que esta situação não durará para sempre, embora não saiba quanto tempo irá durar.
Em resposta a estes retornos negativos, vários investidores preferem manter o seu dinheiro em contas poupança. Esta é uma estratégia viável para investidores com menos de 100 000 euros – a quantia mínima coberta pelos fundos de garantia de depósitos nos países da União Europeia.
Comprar obrigações governamentais diretamente é normalmente inconveniente e o processo varia muito de país para país. Em Portugal, os investidores podem comprar instrumentos da dívida pública portuguesa através dos certificados de aforro e do tesouro. A forma mais fácil de nos expormos a obrigações é comprando um fundo de índice de obrigações.
Atualmente, apenas 5 países europeus (Espanha, Reino Unido, Alemanha, França, Itália) têm ETF de obrigações que detêm obrigações de diferentes maturidades para um único país. Em alternativa, podemos considerar fundos de obrigações que detenham obrigações de diferentes maturidades e vários países.
Se precisa de investir em fundos de obrigações, eu prefiro um dos seguintes fundos que detêm obrigações de vários países e maturidades:
Alocação entre ações e obrigações
A alocação de ativos é o processo através do qual ajustamos o nosso portefólio ao nosso perfil de risco. Temos de decidir que percentagem queremos alocar a ações globais e que percentagem queremos alocar ao retorno fixo. Quanto menor for a percentagem de ações globais, menor será o risco e o retorno.
Esta artigo explica como fazer uma alocação de ativos e porque é importante.
Perguntas Frequentes
E se eu não tiver acesso aos fundos específicos que recomenda?
Este artigo refere-se aos princípios gerais do portefólio mais do que à sua implementação específica.
Os fundos que aqui refiro são apenas exemplos. Desde que escolha um fundo de índices barato (com um TER inferior a 0,25 %) e que reproduza um índice apropriado, a sua escolha será acertada.
O justETF é uma ótima fonte onde pode encontrar qualquer ETF que implementa esta estratégia.
E se eu quiser reduzir a minha exposição ao mercado americano?
O mercado americano é o maior mercado financeiro do mundo. Representa 50 a 60 % da capitalização bolsista dos fundos de índice de ações globais.
Porque havemos de reduzir a alocação das empresas que têm um importante contributo no crescimento das nossas poupanças? Que argumentos informados temos que justificam que a nossa alocação é melhor do que a alocação definida pelo índice de ações globais?
Não considero que o risco cambial seja um problema quando estamos a investir em ações. As ações são significativamente mais voláteis do que as flutuações do mercado cambial.
E se eu quiser aumentar a minha exposição ao mercado europeu?
O mercado europeu representa cerca de 20% da capitalização bolsista dos fundos de índice de ações globais.
Este portefólio assume que os maiores retornos que podemos ter são provenientes de estarmos expostos ao mundo inteiro.
Divergir das alocações usadas neste portefólio levanta mais questões: Como decide a alocação da Europa? Irá isso realmente aumentar os seus retornos (provavelmente, não)? É uma opinião informada ou é mais uma intuição?
Só porque vivemos na Europa não significa que devemos ter exposição adicional a esse mercado.
E se eu quiser aumentar a minha exposição aos mercados emergentes de modo a aumentar o risco e potenciais retornos?
Um fundo de ações globais valoriza cada região de acordo com o que o mercado financeiro global considera ser o peso de cada uma. Não tenho qualquer conhecimento aprofundado de que os mercados emergentes estejam a ser subvalorizados e por isso não posso justificar um aumento de exposição.
Se quer aumentar os seus retornos, aumente o investimento em ações globais e diminua o investimento em obrigações. Isto terá um impacto maior e mais previsível no retorno dos seus investimentos.
Adicionalmente, aumentar as suas taxas de poupança terá um impacto significativamente maior nos seus retornos do que alterar as alocações mundiais. Perceber como pode gastar menos ou ganhar mais é uma melhor forma de usar o seu tempo.
E os fundos imobiliários?
O Core-4 Portfolio usa REIT como uma classe separada de ativos. Os REIT são fundos de investimento em imobiliário (e.g. habitação, comercial, turismo). Pessoalmente, não creio que sejam necessários.
Terá um bom retorno com uma exposição a ações globais, usando um único fundo e sem ter que se preocupar com mais nada. Isto não tem preço. O portefólio descrito nesta publicação é ótimo. Alterá-lo pode levá-lo ao portefólio perfeito ou pode levá-lo a um portefólio pior. Eu contento-me com o ótimo.
E o ouro?
Eu não percebo o investimento em ouro. Não nos protege dos efeitos da inflação. É tão volátil como as ações, mas tem retornos mais baixos no longo prazo. Não paga dividendos.
Parece-me que só complica, sem trazer qualquer benefício.
Também não acredito que exista o investimento na Pedra Filosofal, que vai sempre correr bem em qualquer situação (por exemplo, All Weather Portfolio, Permanent Portfolio).
E as small caps?
Esta é provavelmente a escolha mais controversa. Vamos por isso dedicar algum tempo a este ponto.
O Fama e French registam que historicamente, no longo prazo, as ações de valor (ou seja, baratas) tendem a ter um desempenho melhor do que as ações de crescimento. Eles também repararam que as ações de empresas pequenas (ou seja, small-cap) tendem a ter um desempenho melhor do que as ações de empresas maiores (ou seja, large-cap). Isto levou ao crescimento do Factor Investing, em que os investidores analisam certos aspetos numa empresa (por exemplo, valor, tamanho, momentum, rendibilidade) de modo a averiguar se esta poderá ter retornos superiores aos do mercado.
Investir em fundos de índice de small-caps é uma forma de os investidores se exporem a small-caps de modo a alcançar os tais retornos em média mais altos.
Estes retornos mais elevados têm o seu preço, são mais arriscados (como tudo no investimento). De acordo com Bernstein, desde 1926, as small-caps tiveram alguns períodos longos de resultados negativos com durações de até 30 anos (!).
Pode mitigar o risco das small-caps ao alocar-lhes apenas uma pequena percentagem do seu portefólio. No entanto, de um modo geral, considero que pequenas alterações no portefólio não fazem diferença.
Adicionalmente, a investigação têm documentado que o fator “tamanho” é muito inferior ao efeito de outros fatores (ou seja, rendibilidade, momentum, valor). As ações de small cap não têm um desempenho assim tão impressionante quando olhamos para os números. Apenas têm um desempenho impressionante quando as ações com baixa rendibilidade são removidas. Poucos fundos de índice de small cap removem as ações com baixa rendibilidade. Os fundos da sociedade gestora Dimensional Fund Advisors fazem-no, mas não estão acessíveis à maioria dos investidores.
Assim, tendo em conta o que temos em cima da mesa, eu prefiro o portefólio simples com um único fundo e os seus 5 % de retorno real, aproximadamente. Não me sinto confortável com o risco acrescido das small-caps e não vejo o propósito de adicionar apenas 5 % de small-caps a um portefólio. Considero que o meu tempo é melhor passado a aumentar as contribuições periódicas que faço ao meu portefólio.
O Yoran escreveu um excelente artigo sobre este assunto.
E o fundo tecnológico?
Aprofundei este ponto nesta artigo.
Conclusão
- Pode ter um bom portefólio de investimento, focando-se em dois investimentos: Ações Globais e Obrigações. Em alternativa às obrigações pode usar dinheiro (ou seja, uma conta poupança);
- Pode depois decidir quanto investe em cada investimento, dependendo do seu perfil de risco;
- Pode expor-se a Ações Globais adquirindo um fundo de índice que invista em ações do mundo inteiro. Exemplos destes fundos são o Vanguard FTSE All World ETF, o iShares Core MSCI World ETF e o iShares Core Emerging Markets IMI ETF;
- Pode expor-se a Obrigações através de um fundo de índice que invista em obrigações soberanas. Exemplos de fundos de obrigações são: iShares Global Aggregate Bond ETF (EUR Hedged), Xtrackers Global Sovereign ETF (EUR Hedged). ; Caso viva em Portugal, pode investir em certificados de aforro ou do tesouro.
- As contas poupança são uma alternativa às obrigações devido ao panorama atual dos juros negativos da dívida soberana.
- Os fundos que sugiro são apenas pormenores de implementação. O que é realmente importante são os princípios e as estratégias do portefólio. Se tiver acesso ou se preferir outros fundos com uma estratégia semelhante, use-os;
- Não considero que haja valor acrescentado em divergir da alocação dos fundos de ações globais. Não acredito que traga um impacto significativo no aumento dos seus retornos. As melhores ferramentas para aumentar os seus retornos são: aumentar a sua exposição a ações e reduzir a exposição a obrigações/dinheiro; aumentar a sua taxa de poupança.
Aviso: Esta informação serve apenas propósitos educacionais e de entretenimento. Não representa, em nenhum caso, aconselhamento específico sobre investimento, impostos e enquadramento legal ou recomendação de compra de produtos financeiros específicos.
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